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Câmbio: temos um problema

Antonio Delfim Netto
19/03/2017



Nos últimos 170 anos ficou cada vez mais evidente que a organização capitalista, apesar de eficiente, tem graves problemas. Keynes os resumiu, há oitenta anos, ao reconhecer que a sociedade em que vivemos é incapaz de manter o pleno emprego e gera uma arbitrária distribuição da renda e da riqueza. (artigo publicado no jornal Valor Econômico)

Boa parte dessas dificuldades derivam do chamado trilema, que já era amplamente reconhecido em torno de 1920, nos trabalhos da Liga das Nações, e ficou ainda mais visível nas discussões da Conferência de Bretton Woods (em 1944), onde se criou o Fundo Monetário Internacional. O que afirma o trilema? Que nenhum país pode, simultaneamente,  ter três condições: 1. Uma política monetária independente (necessária para o controle macroeconômico de seu sistema econômico); 2. Uma taxa de câmbio fixa (conveniente para o comércio) e 3. O livre movimento de capitais (sobre cujos benefícios, sempre houve dúvidas). Concretamente, ele afirma que uma dessas três condições deve ser sacrificada para a estabilidade do funcionamento de qualquer sistema econômico.
 

O que se sacrificou no primeiro acordo de Bretton Woods por insistência de Keynes? A liberdade de movimento de capitais, restrição que vigorou até 1958. Cada país exerceria a política monetária mais conveniente ao seu nível de atividade, as taxas de câmbio seriam fixas e reajustáveis sob controle do FMI. As moedas seriam livremente conversíveis para todas as transações correntes, mas os governos poderiam opor restrições às operações puramente financeiras.
 

Bretton Woods morreu, mas o dólar manteve status global

A delegação americana recusou a proposta de Keynes de criar uma moeda internacional (o bancor, que, emitida pelo FMI, controlaria os excessos dos países credores e devedores) provavelmente, porque Harry White, o economista-chefe do Tesouro, estava a serviço do seu sistema financeiro, que temia perder a hegemonia mundial adquirida durante a guerra.

Estabeleceu-se, de fato, uma espécie de “Fixed-rate Dollar Standard”, no qual os EUA comprometeram-se a manter fixa a paridade do dólar com o ouro. As outras N-1 moedas teriam o seu valor referido a ele.

Em 1960, Robert Triffin, num livro sensacional, pôs a nu o paradoxo do sistema e colocou em dúvida a sua sustentabilidade. De fato, em 1971 o presidente Nixon desvalorizou o dólar em 8,5%, o que desencadeou uma reação na Alemanha, na Suíça e na Holanda, que deixaram suas moedas flutuar e não houve mais condições de fazer Bretton Woods funcionar. Dois anos depois, em 1973, os EUA fizeram outra desvalorização de 10% e deixaram o dólar flutuar. Bretton Woods estava morto mas o dólar americano continuou a ser a moeda de reserva internacional!

Dois anos depois, em 1973, os EUA fizeram outra desvalorização de 10% e deixaram o dólar flutuar. Bretton Woods estava morto mas o dólar americano continuou a ser a moeda de reserva internacional!

Com relação ao trilema, talvez os últimos 150 anos possam caracterizar-se (com enorme simplificação) em alguns períodos: A. Gold Standard, 1870-1913, com mobilidade de capitais e taxa de câmbio fixa; B. (1918-1925) Taxa de câmbio flutuante e liberdade de movimento de capitais; C. Bretton Woods, 1 (1945-1958), câmbio fixo e política monetária independente; D. Bretton Woods, 2 (1959-1971), mobilidade de capitais e taxa de câmbio fixa; e E. (1973-…) Taxa de câmbio flutuante mobilidade de capitais e Política monetária independente para países com taxa de juro real parecida com a dos EUA.

Essa história sugere que os economistas ainda não acertaram as suas contas nem com os fatores que comandam o comércio internacional (o modelo de Heckscher-Ohlin, com alguns aperfeiçoamentos), nem com o sistema cambial, dois problemas de máxima importância para as políticas de desenvolvimento dos países emergentes.

Com relação à taxa de câmbio é preciso distinguir claramente o seu papel quando ela se refere ao equilíbrio comercial, sem a liberdade de movimento de capitais e quando há liberdade de movimento de capitais. No primeiro caso ela é um preço relativo que equilibra, numa unidade de tempo convencional, o fluxo do valor das exportações (quantidade exportada multiplicada pelo preço nacional externo) com o valor das importações (quantidade importante multiplicada pelo preço externo). É um parâmetro que controla a criação e a destruição de emprego e o crescimento do PIB. No segundo (isto é, quando há liberdade de movimento de capitais) ela assume o papel de um ativo financeiro que depende do diferencial de juro real interno e o externo. É completamente insensível à criação ou destruição do emprego.

Serve à especulação do sistema financeiro internacional, mas não à economia real, a ponto de chamarmos hoje, no Brasil, de “investimento” a entrada de recursos tomados lá fora a 1% ao ano e remunerados, na Bovespa, nos últimos 14 meses a 4,9% ao mês, graças à flutuação da taxa nossa de câmbio, mesmo porque a falta do nosso grau de investimento impede a aplicação a longo prazo. Ela ameaça a tênue recuperação industrial e já atinge o setor agrícola, que, apesar de bons preços externos, enfrenta a falta de investimento no setor de transporte. Alguém ainda duvida que quem conduz a política monetária brasileira é o Fed?
 



Economista, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. É professor emérito da FEA-USP. E-mail: ideias.consult@uol.com.br
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