Quantas vezes já ouvimos “não é assim que funciona” quando tentamos fazer algo diferente em uma instituição de ensino! Sugerir mudanças radicais de horários, de locais de aprendizagem, de práticas pedagógicas, de apoio ao aluno ou forma de avaliação parece um ato de rebeldia que assusta os alunos, seus pais, o departamento financeiro e, acima de tudo, as estruturas de poder vigentes.
Tão antigas quanto a humanidade, as práticas educativas foram se desenvolvendo lentamente ao longo do tempo: algumas habilidades e conhecimentos se aprendiam em casa, de pai para filho ou mãe para filha, ou de pais para filhos: bons modos, higiene, cozinhar, costurar, construir; outras se aprendiam em comunidade: caçar, plantar, colher, construir poços; outras se aprendiam nos templos: valores e práticas religiosas; outras, em locais específicos para realizar educação, tais como academias, universidades, bibliotecas ou o que se chama atualmente de escola: ler, escrever, calcular, filosofia, ciências.
O acesso ao conhecimento sempre foi controlado histórica e socialmente. Em cada momento histórico e em cada região, define-se o que cada membro da família e da comunidade deve aprender, de maneira informal, em casa e na comunidade, ou de maneira formal, nas escolas. Define-se socialmente o que os meninos e as meninas devem aprender, quais classes sociais devem chegar a qual nível de conhecimento, o que deve fazer parte do currículo e quais são os livros aos quais se deve ter acesso, e o que não deve ser aprendido.
Conhecemos inúmeros exemplos de violência quando alguma dessas barreiras sociais e históricas é rompida: Malala era uma menina que desejava estuda em um local em que se diz que meninas não estudam. Levou um tiro e, por sorte, sobreviveu. Galileu descobriu que a Terra gira em torno do Sol, um conhecimento proibido para a sua época, e quase morreu na fogueira. Hoje, no Brasil, aparentemente temos um sistema de ensino democrático, mas não é para todos. A escola como a conhecemos hoje no Brasil recebe toda a população a partir dos 6 anos de idade para aprender os conteúdos curriculares importantes para o desenvolvimento acadêmico ou para o exercício de uma profissão.
Em geral, os alunos passam em torno de 4 a 5 horas do seu dia, 200 dias ao ano, em prédios com corredores e salas, nas quais existem carteiras enfileiradas e um professor. Há livros, cadernos e, dependendo da escola, há alguns recursos a mais como computadores, tablets e conteúdo online. As aulas, cujo início e fim são marcados pelo toque de algum sinal, incluem atividades como ouvir o professor, realizar tarefas, realizar avaliações. A cada ano letivo, os alunos que tiverem atestado que obtiveram o conhecimento que se considera adequado passam para a próxima série. Ao final da Educação Básica, há provas, e quem passa segue para o Ensino Superior, onde também se estuda em prédios com corredores, salas, carteiras, professores, currículos e provas.
Quem chega ao fim deste processo obtém um diploma. E quem não chega? Bem, fica pelo caminho, como tentaram fazer com a Malala e o Galileu. Essa máquina de expulsar alunos deixa muitos pelo caminho: somente 76% dos jovens de 16 anos concluem o Ensino Fundamental e 58,5% dos jovens de 19 anos concluem o Ensino Médio (Todos pela Educação, 2015). São 50% dos concluintes do Ensino Médio que ingressam no Ensino Superior e ali a evasão continua.
Esses altos índices de evasão não eram considerados um problema significativo no período industrial, em que havia muito emprego para realizar atividades braçais, e acreditava-se que era possível e desejável selecionar os melhores para realizar as atividades mais criativas na sociedade. Essa escola que conhecemos, que expulsa os alunos pelos mais variados motivos, é uma invenção do período industrial. Ela não foi assim desde sempre, portanto, escola não tem que ser “assim”.
Em outros períodos históricos, como a Idade Antiga ou a Idade Média, a Academia, as Bibliotecas e as Universidades de fato não estavam abertas a todos, mas não era um objetivo do sistema expulsar quem já tinha conseguido chegar lá, fosse por mérito ou classe social.E hoje, na Era da Informação, em período de transformações aceleradas, de repente, o mundo está descobrindo que essa escola típica do período industrial não funciona mais. Não há empregos para tantas pessoas sem instrução. Mesmo os empregos das pessoas instruídas podem acabar a qualquer momento. Teremos de trabalhar até uma idade muito mais avançada.
O acesso à informação está à disposição de todos. A concorrência é global. Quando estamos nos acostumando a uma inovação tecnológica, surge outra. Diplomas não são suficientes para garantir tranquilidade profissional. Mesmo insuficientes, por vezes, são desnecessários. Conhecimento, muito conhecimento, conhecimento que nem sabemos que existe, e habilidades interpessoais são cada vez mais necessários. Pergunta-se: As instituições de ensino têm se configurado como espaços para, de fato, construir conhecimento atualizado? Têm oferecido oportunidades reais de desenvolvimento de habilidades interpessoais?
Sim, inovar é preciso. Não porque seja necessário oferecer opções divertidas de aprendizagem ou adotar tecnologias de última geração. É urgente porque nossa sociedade não pode mais perder tanta capacidade produtiva. É urgente porque, quando as instituições de ensino tradicionais não inovam ou garantem aprendizagem, os alunos desistem delas. É urgente porque, quando menos esperarmos, alguma invenção pode disponibilizar recursos para ajudar pessoas de todas as idades a aprenderem o que precisam, tornando as escolas obsoletas.
“Inovar requer identificar problemas relevantes, compreendê-los de forma sistemática e identificar soluções elegantes” (Keeley, 2013). Consideremos, então, que uma educação efetiva envolve motivação, acesso a conteúdo, persistência e prática (Friedmann, 2016). Quem vai tomar para si a tarefa de apontar onde estão as oportunidades e motivar as pessoas a aprenderem o que pode ser útil ou interessante para elas: as escolas e universidades, os aplicativos online, a mídia, as redes sociais, os empregadores? Quem dará acesso a conteúdo sempre atualizado: a Internet, as editoras, o professor, a biblioteca, a escola, a apostila, os repositórios de conteúdo? Quem ajudará os aprendizes quando estiverem desmotivados: os aplicativos adaptativos e personalizados, o tutor, o professor, os pais, os empregadores, os companheiros e os amigos? Quem oferecerá oportunidades de desenvolvimento de práticas profissionais e habilidades interpessoais: as escolas, os empregadores, os simuladores digitais, os amigos, os colegas de trabalho?
Incluir as ações de motivar, disponibilizar conteúdo, dar apoio à aprendizagem e desenvolver práticas como prioridade nas ações educativas é mais do que urgente. Como a lista acima permite inferir, elas podem ser realizadas internamente ou externamente às instituições de ensino tradicionais – sejam os cursos que elas oferecem presenciais ou a distância. Para os mais desavisados, pode parecer que a necessidade de inovar esteja distante da realidade brasileira. As escolas e universidades, mesmo diante de taxas elevadas de evasão, estão repletas de alunos por serem insuficientes para atender à demanda.
Os melhores conteúdos da Internet ainda não estão disponíveis gratuitamente em português. Há muitos alunos acostumados ao modelo tradicional de ensino, e o mercado de trabalho segue valorizando o diploma em muitas áreas. Além de tudo, o sistema educacional é bastante regulamentado, e a educação formal tem muitas normas a seguir. No entanto, os ventos da inovação sopram rápido, as mudanças vêm de onde nem se imagina, e nunca é demais estar alerta para as tendências globais no segmento da educação.
É diante de tanta urgência que estou muito feliz por lançar uma coluna mensal no site InovEduc. Aqui discutiremos aspectos relacionados à inovação na educação, que pode ser formal ou informal, presencial ou mediada por tecnologia e que, certamente, está diante de infinitos desafios. Partiremos sempre do princípio de que inovação é uma forma de resolver problemas, e não uma simples adoção de novidades. Estes problemas podem ser resolvidos por meio de tecnologia, infraestrutura, práticas pedagógicas, práticas administrativas, tanto reluzentemente novas quanto aprovadas e polidas pelo teste do tempo. Aguardo vocês!
Referências:
FRIEDMAN, Thomas. Thank you for being late. Farrar, Straus and Giroux, Nova Iorque, 2016.
KEELEY, Larry; PIKKEL, Ryan; QUINN, Brian; WALTERS, Helen. Ten types of innovation: the discipline of building breakthroughs. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons Inc., 2013.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Indicadores da Educação. Disponível em http://
www.todospelaeducacao.org.br/indicadores-da-educacao/5-metas?task=indicador
educacaoHYPERLINK “http://www.todospela educacao.org.br/indicadores-da-educacao/5-metas?task=indicador_educacao&id_indicador=22#filtros”&HYPERLINK “http://www.todospelaeducacao.org.br/indicadores-da-educacao/5metas?task=indicador
educacao&idindicador=22#filtros”id_indicador=22#filtros. Acessado em 16/4/2017