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Trump, a segurança nacional e a siderurgia

Antonio Delfim Netto
09/03/2018



 A Constituição de 1988 propõe a construção de uma sociedade civilizada. Seus valores supremos são: 1) a mais ampla liberdade individual; 2) a perseguição sistemática da igualdade de oportunidades e 3) construir uma coordenação eficiente da atividade econômica dos cidadãos compatível com eles. As três condições não são facilmente acomodáveis. A longa história do homem sugere que, até agora, a única forma disponível de coordenação capaz de recepcionar a liberdade e a igualdade é através dos "mercados". Para o seu bom funcionamento eles exigem a propriedade privada, o que diminui a igualdade e põe em risco a legitimidade democrática. 
 
Como os três objetivos são relativamente incompatíveis, eles só poderão ser acomodados assintoticamente, por uma administração política centrada num Estado forte, que regule os "mercados", principalmente o financeiro. Ele, também, deve ser constrangido constitucionalmente. Essas condições não garantem, entretanto, um desenvolvimento social e econômico robusto, inclusivo e sustentável. Para isso é preciso um projeto razoavelmente consensual que indique o que a nação quer ser nos próximos 25 anos (pelo menos) e recuse a sujeição às vontades dos "mercados". 
 
Quando ela se abre ao comércio internacional, ele pode, se não regulado, controlar o seu futuro. Ao mesmo tempo em que pode aumentar a produtividade no longo prazo, explorando as "vantagens comparativas", pode produzir efeitos inconvenientes no curto prazo, como acentuar as diferenças entre "ganhadores" e "perdedores" e alterar a distribuição de renda que, se não atenuadas por políticas públicas adequadas, desestruturam a coesão social e podem levar a impasses políticos regressivos. A história revela que "vantagens comparativas" não são divinas e podem, dentro de limites razoáveis, serem construídas. A abertura comercial desabrida tende a moldar a estrutura produtiva do país. Por isso é preciso cuidado para não transformá-lo em servo da demanda dos seus parceiros e não senhor do seu destino. 

Produtividade do setor de aço no Brasil está murchando
 
Isso não tem nada a ver com a boa teoria econômica. Tem a ver com a ingênua visão de mundo de alguns economistas. Pensam-no composto de pequenas ilhas altruísticas, partes de um arquipélago onde reina a paz e a fraternidade sob controle da ONU! Infelizmente, o mundo é outra coisa. Uma coleção de ilhas independentes, com interesses bem diferentes, que se veem com alguma desconfiança e dispostas a defender seu território a qualquer custo. Para elas, a ONU é apenas um local de reuniões litero-musicais que abriga uma burocracia-diplomática que finge não saber o que ela é: um organismo que serve às cinco potências que têm poder de veto para continuar a "proteger", em qualquer circunstância, suas velhas ou novas colônias... 
 
É por isso que a ilha com pretensão de executar um projeto de desenvolvimento social e econômico que defina o seu futuro, deve ser senhora da política econômica, informada pela boa teoria sustentada pela evidência histórica, que permita: 1) executar uma política monetária independente que conduza à estabilidade do valor da moeda num regime próximo ao pleno emprego; 2) que estabeleça uma taxa de juros real interna parecida com a externa somada ao seu risco idiossincrático para que 3) a taxa de câmbio real seja adequada e reflita as condições da economia real e não do mercado financeiro e 4) que coordene a política fiscal com a monetária para produzir um relativo equilíbrio fiscal, capaz de sustentar um endividamento que abra espaço para ações anticíclicas quando a demanda privada der sinais de fraqueza. Como na economia nem a "oferta" cria, necessariamente, a sua própria "procura", nem a "procura" cria, necessariamente, a sua "oferta", a coordenação do processo de desenvolvimento exige uma relação segura e amigável entre o Estado e o setor privado. Seu papel há de ser o de coordenar o programa do futuro da sociedade e aproveitar as vantagens comparativas, mas não deixar-se levar pela divisão internacional do trabalho imposta pelas potências que controlam o mundo. 
 
Quais são as condições para uma ilha poder gozar de relativa independência? Desde tempos imemoriais sabe-se que é construir - tanto quando possível -, três autonomias: 1) a alimentar; 2) a energética e 3) a militar, criando uma capacidade de defesa dissuasiva. Nenhuma delas pode ser alcançada sem um setor siderúrgico eficiente. Foi preciso o terremoto Trump para nos acordar para o fato que a siderurgia não é apenas um problema econômico, principalmente num mundo onde a paz está cada vez mais longe! Ao determinar que todas as obras de infraestrutura que contratará terão, necessariamente, de usar aço produzido nos EUA, prejudicou fortemente nossas exportações.

Ao assinar o ato protecionista disse: "Isto não tem nada a ver com a China. Tem a ver com o mundo. O fortalecimento da siderurgia americana não é um problema econômico. É um problema de segurança nacional". O Brasil ainda não entendeu isso. A produtividade tonelada de aço/homem hora do nosso setor siderúrgico é muito próxima da mundial, mas a ausência do "reintegra" e as gigantescas taxas de juros reais que incidem sobre o custo de uma indústria de ciclo longo, roubam-lhe a capacidade competitiva. Ele está murchando e vai piorar com as restrições americanas. 



Economista, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. É professor emérito da FEA-USP. E-mail: ideias.consult@uol.com.br
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