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SANEAMENTO É EDUCAÇÃO

Thiago Baptistella Cabral
16/03/2011



Há dois anos, quando eu vivia em Botucatu, cidade do interior de São Paulo, bebia a água da torneira. Lá isto é comum para a maioria das pessoas, que usam, no máximo, um filtro de barro. Ao mudar-me para Natal continuei a pagar os impostos pelo tratamento da água e esgotos, mas agora, pago também para empresas privadas por galões de água mineral, visto que a que sai da torneira é poluída por altas taxas de nitrato. A falta de credibilidade do poder público torna raros os moradores que bebem água da torneira mesmo nas regiões em que a prefeitura afirma que a contaminação está abaixo do nível máximo permitido. O problema é causado pela falta crônica daquelas obras subterrâneas, que não trazem votos: as de saneamento básico.

Um recente estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em conjunto com a Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), mostrou que em acesso à rede de esgotos, das cidades-sede da copa do mundo de 2014, a campeã é Belo Horizonte, que atende a 97% das residências. Para se ter uma ideia, a média nacional é de 44%, e a última colocada é (adivinhem) Natal, com 21% da população com acesso à rede de esgotos. Para efeito de comparação, nossos colegas nordestinos, Fortaleza e Recife atendem, respectivamente, a 54% e 47%.

Deste modo, identificamos porque a nossa água está contaminada por nitrato. Explico: as nossas fezes são um verdadeiro banquete para inúmeras espécies de micro‑organismos. Quando os excrementos são eliminados em fossas, e não na rede de esgoto, micro‑organismos que vivem no solo utilizam substâncias contidas nas fezes em seu metabolismo e acabam por produzir, entre outras coisas, o nitrato. O nitrato é um nutriente importante para a vida das plantas, que o absorvem com suas raízes. Todavia, quando produzido em grande quantidade, ele acaba sendo levado pela água da chuva, infiltrando-se profundamente no solo, terminando por contaminar a água dos lençóis freáticos, que por sua vez será captada para consumo humano.

Infelizmente a presença de nitrato na água não é nem de longe o único problema da falta de saneamento. Inúmeras doenças causadas por parasitas intestinais afetam diariamente os brasileiros, sendo as crianças os mais prejudicados. O Instituto Trata Brasil e a FGV atestam que as crianças que vivem em áreas sem saneamento têm um aproveitamento escolar 18% menor do que aquelas com acesso à coleta e ao tratamento de esgoto. O médico Dráuzio Varella, em recente artigo, relatou um estudo feito por Cristopher Epping e colaboradores no periódico científico "Proceedings of the Royal Society", no qual a falta de saneamento básico também leva a doenças causadoras de diarreia, que acabam por prejudicar o desenvolvimento pleno do cérebro principalmente dos mais jovens, afetando sua inteligência.

O cérebro é o órgão humano que consome mais energia, com valores que representam 87% do total do gasto energético em recém-nascidos, 44% em crianças de cinco anos e aproximadamente 25% em adultos. Se o empenho realizado por parte do corpo de um indivíduo enfermo com o intuito de combater a doença ocorre repetidas vezes durante a infância, o cérebro pode acabar não recebendo o total de energia e nutrientes necessários para o seu desenvolvimento normal. Isto pode ocorrer em função da baixa absorção de nutrientes devido à diarreia, e também do alto gasto energético direcionado à reparação dos tecidos danificados e às reações do sistema imunológico. É uma coisa a se pensar, ainda mais quando se observa que 65% das internações hospitalares de brasileiros menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico (dados da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA).

Vamos muito mal no saneamento e na educação. Vale lembrar que dentre todos os estados brasileiros, o Rio Grande do Norte ficou na 4ª pior colocação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no que se refere aos anos escolares iniciais e finais. Será coincidência a falta de investimentos em dois setores fundamentais, mas que não trazem votos? Enquanto os governos não colocarem estes temas como prioritários na agenda e não realizarem os devidos investimentos, continuaremos a colher os mesmos e indesejáveis frutos.

Fonte: http://www.tratabrasil.org.br/novo_site/?id=15009
 



Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE) – thiagobcabral@yahoo.com.br
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