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Os pais invisíveis

Lester Velie
27/07/2017



Artigo publicado na Revista Seleções (Reader's Digest) dos anos 1970, analisando a questão do preparo dos filhos pelos pais norte-americanos.

 “A causa profunda de muitos problemas da sociedade norte-americana: delinquência juvenil, abuso de drogas, rebeldia contra o casamento e a família. O fracasso no processo de tornar humanos os seres humanos.” 

A grande lição na arte de preparar os filhos foi dada nos Dez Mandamentos de Deus.    www.graal.org.br/download_pdf.php?id=60
Bruce M., um jovem agente publicitário, levanta-se às seis da manhã, quando seus dois filhinhos ainda estão na cama. Viaja cinquenta quilômetros até chegar ao escritório, em Nova York, e regressa por volta das sete da noite. Quando tem em mãos uma grande campanha publicitária, costuma regressar só por volta das dez. Logo, nos dias de semana, o máximo que pode fazer, como pai, é olhar enternecidamente, antes e depois do trabalho, para os filhos adormecidos. Fins de semana? Num ou noutro sábado, Bruce se fecha em seu gabinete, com uma pasta abarrotada de trabalho – ou, para escapar à mulher e aos filhos, foge para o escritório. Tal como milhões de outros maridos no mundo inteiro, viajantes regulares entre a casa e o trabalho, Bruce é o que poderia se chamar de “pai invisível”.
 
Bill W., pai de dois adolescentes, é um “peão”, num jogo de xadrez coletivo. De tantos em tantos anos é deslocado para uma nova casa em outra cidade, por uma empresa que considera isso “bom para nós e para a melhoria da carreira do empregado”. A influência que isso tem sobre o desenvolvimento dos filhos desligados de Bill, a empresa não diz. É claro que Bill não é obrigado a se mudar, se não quiser. Mas ele aceita tudo, porque acredita ser essa a maneira de subir dentro da empresa.
 
Henry S., pai de dois adolescentes, é diretor do conselho de educação da sua cidade. Toma parte ativa em várias instituições de beneficência locais, e é um dos maiores levantadores de donativos nas campanhas anuais de angariação. Henry é também árbitro de jogos de beisebol de pequenas associações e ajuda na coleta de fundos para o combate à distrofia muscular. Há pouco tempo, a mulher de Henry lhe disse: “já notou que há dez noites consecutivas você não parou em casa e eu não saí à rua?”
 
A inclinação natural de Henry para fazer o bem é explorada pelos diretores de sua firma, que dizem aos executivos ser determinado trabalho “bom para a nossa imagem”. Os sindicatos também fazem pressão para que seus membros se dediquem a eles, e o mesmo fazem muitos de nossos vizinhos. Resultado: milhões de pessoas como Henry estão envolvidas na vida e negócios de toda gente, exceto na de seus próprios filhos.
 
Joe H. tem cinco filhos; trabalha na polícia durante o dia e à noite é motorista de táxi para poder manter a família. Há vários como ele, sobretudo entre os que trabalham em indústrias que pagam mal. O ministério do Trabalho dos Estados Unidos informa que trabalhadores americanos tem dois ou mais empregos e isso parece comum na maior parte de mundo. As crianças? “isso é trabalho da patroa”.
Vejam o caso de Homer J., pai de quatro filhos, cujas idades variam entre os nove meses e os nove anos, e que é sempre preterido em questões de trabalho. Por ser negro e pela falta de jeito para vendas, é o último a ser contratado quando há muito trabalho e o primeiro a ser despedido, quando há falta. Como as leis de bem-estar social do seu estado proíbem a ajuda às famílias com filhos dependentes, quando há um homem em casa, ainda que este esteja desempregado, Homer abandonou o lar, para que a mulher e os filhos pudessem comer. Com uma taxa de desemprego que se mantém acima dos 5%, nos Estados Unidos há quase um milhão de pais impossibilitados de trazer para casa o pão de cada dia e, por isso, não estão em condições de serem pais. O pai é o homem esquecido da sociedade norte-americana.
 
Uma possibilidade de ajuda
 
Os sociólogos e psicólogos, que escrevem laudas e mais laudas de pesquisas sobre as mães, ignoram praticamente o pai. Os críticos antifamília também o ignoram. Dizem que a própria família está fora de moda, e que os novos modelos (o casamento em grupo ou o casamento permissivo) dão melhor resultado. Nenhum deles sugere o modelo atualmente fora de moda, e que serviu durante séculos, daria melhor resultado se, ao menos o pai tivesse mais possibilidade de ajudar.
 
Agora, no entanto, começam a aparecer algumas opiniões destinadas a mostrar a importância do pai. “A influência do pai começa antes do nascimento da criança, ao manter a futura mãe em bom estado de espírito”, diz o psicólogo Henry B. Biller, e continua a ser decisiva, diz Biller, mesmo nesses primeiros anos em que, segundo se supõe, a mãe é, para o filho, mais importante que o pai. “Com efeitos, o pai é, provavelmente, mais importante que a mãe para o saudável desenvolvimento sexual tanto de rapazes como das moças”.
 
O pai tende a estabelecer a diferença entre filhos e filhas, e a recompensar o comportamento sexual adequado dos filhos muito mais que a mãe. Assim, a criança, privada do pai está mais sujeita a ter problemas em suas relações com o sexo oposto, por não ter sido devidamente elucidada quanto ao papel do sexo. Alguns estudos sobre os antecedentes familiares de homossexuais, tanto masculinos como femininos, revelam a incidência muito elevada da ausência do pai.
A falta de um pai consciente pode prejudicar, também, os progressos da criança na escola. Biller e um colega observaram 44 rapazes do terceiro ano da escola primária, cujo contato com os pais variava de duas horas ou mais por dia (presença do pai elevada), a menos de seis horas por semana (presença do pai baixa). Biller relatou: “O grupo em que a presença do pai era elevada revelou um nível de aproveitamento escolar muito alto”. Por que? Principalmente porque, acredita Biller, uma relação íntima com o pai favorece a autoconfiança que é necessária para a realização.
 
A ausência crítica
 
À família compete socializar a criança, ensinando-lhe os valores da sociedade e os princípios fundamentais. Os pesquisadores da Universidade de Cornell descobriram, estudando rapazes de classe média, que a frequente ausência de um, ou de ambos os pais, leva os adolescentes a recorrer uns aos outros na busca de valores. Esses filhos têm mais tendência “a ser pessimistas quanto ao futuro, dão baixo rendimento no que respeita à responsabilidade e liderança e tem maior tendência para se envolver em comportamentos antissociais”.
 
Num estudo complementar, Urie Bronfenbrenner, psicólogo da Universidade de Cornell, acrescentou: “Talvez, por ser mais pronunciada, a ausência relativa do pai era mais crítica do que a da mãe”.
 
Diante de tantas provas, os cientistas que se dedicam ao estudo do comportamento começam a nos dizer que o pai negligenciado – e negligente – é causa profunda de muitos problemas da sociedade norte-americana: delinquência juvenil, abuso de drogas, rebeldia contra o casamento e a família – e também daquilo que a última conferência sobre as crianças, na Casa Branca, chamou de fracasso no processo de tornar humanos os seres humanos.
 
Para por fim a este fracasso é necessário reforçar as funções tradicionais da família, isto, por sua vez, exige, segundo as palavras do professor Lawrence E. Fuchs, da Universidade de Brandeis, recuperação dos pais.
 
A autoridade do pai norte-americano dentro da família tem sido reduzida devido às pressões que recebe de fora. A pressão que se exerce sobre o homem começa na infância, quando se espera mais dele do que da irmã; continua no colégio e na universidade, e atinge proporções assustadoras no adulto e no homem de meia idade. No fim do século passado, o homem médio morria dois anos e dez meses mais cedo que a mulher. O homem médio de hoje morre seis anos mais cedo que a mulher.
 
Novas atribuições da mãe
 
Enquanto o pai se mata para vencer a vida, a autoridade dentro da família fica a cargo da mãe. É ela que tem que civilizar os pequenos “selvagens”; é ela quem os faz dormir na hora certa; quem os acorda a tempo de apanhar o ônibus para a escola; quem os obriga a arrumar as coisas; quem faz com que ajudem a por a mesa e vivam em relativa paz. E é a mãe quem conferencia com o professor, assiste às reuniões e marca consultas no médico.
O pai, que renuncia à sua autoridade, não priva os filhos apenas da mão forte necessária na sua educação. Suas outras preocupações podem ser interpretadas pelos filhos como indiferença e despertam, assim, a amargura que conduz à alienação e à rebeldia. Aquilo de que a família norte-americana mais precisa, diz Fuchs, é de um pai forte – não um tirano autoritário, mas um pai simpático, que saiba ouvir os filhos e impor sua autoridade. E um pai que esteja disposto a desempenhar, pessoalmente, a missão paterna.
 
Como faremos para trazer o pai de volta à vida dos seus filhos? Bem, para começar, o pai podia tentar ajudar a si próprio. Por exemplo, um jovem procurador que conheço, Frank C., que muitas vezes se vê obrigado a permanecer no escritório à noite e nos fins de semana devido ao trabalho, consegue, apesar disso, ser um pai visível. Leva periodicamente a mulher e o filho de três anos para almoçar na cidade e nos fins de semana, em que tem trabalho, leva-os ao seu gabinete, no edifício do tribunal, onde o garoto corre à vontade pelos corredores, em seu velocípede. Ou durante um intervalo, o pai leva o filho a uma das salas do tribunal, senta-o no banco do juiz, e observa-o feliz, enquanto ele bate fortemente com um martelo de brinquedo. As pesquisas revelam não ser apenas importante a quantidade de tempo que um pai permanece em casa; é também a qualidade do contato com a criança.

Feministas a favor da paternidade
 
Uma força significativa e inesperada, que vem atuando no sentido de reconduzir os pais à vida dos filhos, é o movimento feminista. Embora o objetivo principal de suas integrantes seja, naturalmente, o de libertar a mãe negligenciada, elas nos forçam também a fazer algo pelo pai negligenciado. 
Por exemplo: as instituições de auxílio à maternidade já existem, e um número crescente de empresas vem adotando, graças a uma decisão da comissão pela oportunidade de igualdade de empregos, de que a gravidez e o parto são “incapacidades” para o trabalho, e devem ser pagas pelo seguro. Agora, as feministas (e os sociólogos) perguntam: e o auxílio à paternidade?
 
Membros da federação americana de professores de Nova Jersey propuseram algumas cláusulas para o contrato de licença dos pais que permitirão aos maridos uma semana de licença paga quando a mulher tiver a criança. E a União Internacional dos Trabalhadores de Eletricidade, Rádio e Máquinas tem um contrato com a Textron S.A., em Rochester, Nova York, que permite a um dos pais (ou a ambos) a licença não remunerada, que pode ir até 18 meses, a fim de cuidar do filho recém-nascido.
 
Talvez se as feministas conseguissem penetrar nesse reduto masculino, a direção de uma empresa, pudessem conquistar maior número de pais para a questão da paternidade. Inevitavelmente, as mulheres diretoras começariam logo a fazer perguntas, tais como: é realmente necessário participar de convenções?
 
A conferência sobre as crianças, realizada na Casa Branca, concluiu que o tipo de vida da família norte-americana é produto dos negócios e da indústria, mais do que quaisquer outras instituições da sociedade. Por isso, são eles os responsáveis pelo destino da família e da criança norte-americanas.
 
O indivíduo tem seus próprios caminhos a traçar, condicionado por uma vida de limitações. Contudo, há coisas que o patrão pode fazer para ajudar um homem a ser pai.
Urie Bronfenbrenner sugere, por exemplo, que as empresas poderiam melhorar suas possibilidades de atrair executivos talentosos, oferecendo um novo tipo de recompensa: mais tempo livre para questões de família, criado através de redução de obrigações profissionais que exigem a ausência de casa nos fins de semana e à noite. Sugere também, que os patrões deviam criar mais cargos de meio expediente, e conceder mais categoria a essas funções, a fim de permitir aos pais passar mais tempo com os filhos.
 
É necessário recuperar os pais e a paternidade para a família. Disso dependem uma vida familiar mais sã e a saúde de toda a sociedade.
 



Lester Velie foi autor de livros e editor da Readers's Digest.
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