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A ameaça de uma covid longa


24/10/2020



Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Martin Wolf analisa a situação da economia pós-covid. Ponderações realistas para contornar uma longa “covid econômica”. Mas renda e emprego já vinham caindo com a concentração da produção industrial. Fica a questão: o que seria recomendável para o Brasil conseguir produzir mais, recolocar as pessoas no trabalho, ter mais empregos e renda? Benedicto Dutra

 A AMEAÇA DE UMA LONGA COVID ECONÔMICA PAIRA SOBRE NÓS
Por: MARTIN WOLF, Financial Times 

Governos precisam se concentrar no custo da inação, e não no custo das medidas de apoio à economia - A Covid-19 deixou muitos pacientes com sintomas debilitantes, depois que a infecção inicial foi contida. É a chamada “Covid longa”. E o que é verdade com relação à saúde provavelmente é também verdade com relação à economia. A pandemia deve causar não só uma profunda recessão em todo o planeta, mas anos de fraqueza. Para enfrentar a ameaça de uma “Covid econômica longa”, as autoridades econômicas precisam evitar repetir o erro que cometeram depois da crise financeira de 2008, quando elas suspenderam rápido demais as medidas de apoio à economia.

O perigo é real, mesmo que ainda exista muita incerteza sobre como a crise se desenrolará. Não sabemos, especialmente, quanto tempo vai demorar para que a Covid-19 seja controlada, se é que o será.

Mas já sabemos muitas coisas sobre o impacto econômico da pandemia. Sabemos que ela infligiu uma grande recessão mundial; que os custos econômicos foram maiores para os jovens, os trabalhadores de baixa capacitação, as minorias, e as mães que trabalham fora, e que a pandemia prejudicou seriamente a educação. Sabemos, também, que “perto de 90 milhões de pessoas podem cair abaixo da renda diária de US$ 1,90 que caracteriza a extrema pobreza, este ano”, como informou o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Sabemos que muitas empresas foram prejudicadas, porque a demanda por aquilo que produzem despencou ou porque passaram por lockdowns. A segunda onda da doença que agora se abate sobre muitas economias agravará tudo isso. Como mostra o “Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial” do FMI, a fragilidade financeira está crescendo em setores já pesadamente endividados das economias de alta renda, bem como nos países de mercado emergente e em desenvolvimento.

Mas também sabemos que as coisas já estiveram muito piores. A economia mundial se beneficiou de apoio extraordinário por parte dos bancos centrais e governos. De acordo com o “Monitor Fiscal” do FMI, o apoio fiscal equivale a “US$ 11,7 trilhões, ou perto de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, até o dia 11 de setembro de 2020”. É um volume de apoio muito maior do que aquele que foi oferecido depois da crise financeira mundial.

Sabemos, ainda assim, que aquilo que já aconteceu deixará cicatrizes profundas. Quanto mais durar a pandemia, maiores serão as cicatrizes. O FMI já está prevendo uma grande queda da atividade econômica, com relação ao potencial, em 2022-23. Isso certamente deprimirá o investimento privado. Não surpreende que o Fundo também preveja, agora, um crescimento significativamente mais baixo para a renda per capita mundial, no período 2019-2025, do que havia projetado em janeiro.

Em uma crise dessa escala, existe apenas uma entidade capaz de agir ao mesmo tempo como seguradora e como sustentáculo da demanda. Infelizmente, a capacidade dos governos para agir varia imensamente. Mas os países cujas moedas têm aceitação mundial contam com imenso espaço de manobra. Já o utilizaram; e precisarão continuar a fazê-lo.

A política fiscal precisa desempenhar papel central, porque só ela é capaz de oferecer assistência direcionada. Os dirigentes de bancos centrais foram muito claros a respeito disso. O “Monitor Fiscal” divide o apoio necessário em três fases, o que ajuda bastante: lockdown; reabertura gradual; e recuperação pós-Covid.

Durante o lockdown, o ônus precisa estar nas transferências de fundos, apoio ao trabalho temporário, suspensão temporária de pagamentos de impostos e previdência social, e apoio de liquidez para empresas.

Durante a reabertura, o apoio precisa ser mais direcionado, com incentivos concentrados em recolocar as pessoas no trabalho. Precisam ser feitos planos para elevar o investimento público. Enquanto isso, o apoio a empresas precisa se concentrar naquelas que têm perspectivas decentes, mas com a imposição de controles sobre os pagamentos de dividendos e sobre a remuneração dos executivos.

No período pós-Covid, os sistemas de proteção social que a pandemia expôs como deficientes precisarão ser reformados. Enquanto isso, devemos dirigir atenção a medidas ativas no mercado de trabalho e a um grande reforço do investimento público. Isso, argumenta o “Monitor Fiscal”, estimulará fortemente o investimento privado. Mecanismos para reestruturação acelerada de dívidas serão igualmente necessários.

Fazer tudo isso do jeito certo, especialmente acertar os momentos de transição entre as diferentes fases da doença, é um processo complicado; o movimento pode não acontecer o tempo todo na mesma direção. As autoridades econômicas terão de ser flexíveis, mas não frugais.

Todos esses gastos elevarão substancialmente os déficits e dívidas públicos. O déficit fiscal geral dos governos do planeta deve chegar a 12,7% do PIB este ano; nas economias de alta renda, ele atingirá os 14,4%. A relação geral entre dívidas e PIB do planeta deve saltar de 83% para 100% do PIB, entre 2019 e 2022, e nos países de alta renda a relação subirá de 105% para 126% do PIB no mesmo período.

Pouco importa. Para os países de alta renda, as taxas de juros reais na captação de longo prazo são ou zero ou negativas. Os bancos centrais também assumiram compromissos confiáveis de manter políticas monetárias muito frouxas. Os governos terão condições de gastar. O que não poderão fazer é não gastar, permitindo que as economias oscilem, que as pessoas se sintam abandonadas, que as cicatrizes econômicas se agravem e que as economias sejam forçadas a descer a um patamar mais baixo de crescimento permanentemente.

Os governos precisam gastar. Mas, com o tempo, terão de mudar seu foco do resgate para o crescimento sustentável. Se os impostos tiverem de subir, que incidam sobre os ganhadores. Essa é uma necessidade política. E também é o certo.

Estamos apenas no começo, por enquanto. Não há como sabermos de que maneira isso vai acabar, não menos porque não sabemos o que as pessoas que estão no poder farão. Mas sabemos que a História julgará asperamente as autoridades se aquelas que têm condição de agir não se mostrarem à altura da ocasião.

Uma longa Covid econômica precisa ser evitada. Isso não significa abandonar os esforços para controlar a doença, e sim o oposto. Também exigirá políticas econômicas ativas, imaginosas e audazes, por muitos anos. Não se preocupe com o custo que isso terá. Preocupe-se, isso sim, com o custo de não agir.

Texto original:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/martinwolf/2020/10/a-ameaca-de-uma-longa-covid-economica-paira-sobre-nos.shtml
tradução de Paulo Migliacci





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